‘We live in an age of helping victims’: new review of Sex at the Margins

The author of a new review of my book for a Portugese journal, Lorenzo Bordonaro, wrote to me the other day to tell me about it. At the same time, he sent me a copy of a research report he co-authored with Filipa Alvim at CEAS (Centro de Estudos de Antropologia Social), in Lisbon, entitled Tráfico de Mulheres em Portugal: Análise da construção de um problema social (Women Trafficking in Portugal: Analysis of the construction of a social problem).  From the English summary:

Asking why recently we are so concerned with women’s trafficking in Portugal sounds like a dumb question. After all, we are daily informed, trafficking is one of the greatest criminal endeavours of our times, with millions of people trafficked and enslaved every year, and billions of dollars of profit. It is normal therefore that Portugal is eager to stand up against this ‘inhuman form of crime’. Things, we have learned in the research that led to this book, are not so simple.

Without denying the existence of some cases of prototypical ‘women trafficking’, and the actual and daily violence that is perpetrated against women migrating to Portugal, we have come to the conclusion that the contemporary crusade against (women) trafficking in Portugal and Europe is motivated less by the wish to protect migrant’s (women’s) right than by the moral and political concern about prostitution and undocumented migration.

You can see why I’d be glad to hear from Lorenzo, given the overwhelming victimisation of migrants dominating so many cultures nowadays (see my pre-Christmas post on Women Doing Things for an antidote!). Here’s his review of my book. It begins ‘We live in an age of helping victims…’ Please send the link to any readers of Portuguese among your acquaintances.

Análise Social, Vol XLIII, n 4 (2008)

Laura María Agustín, Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the Rescue Industry, London, Zed Books, 2007, 248 páginas.

Vivemos na época da ajuda e das vítimas: quotidianamente são identificados novos “problemas” e patologias sociais e psicológicas, assim como as respectivas vítimas; são procurados novos trabalhadores sociais e criados novos programas e figuras profissionais. As populações de migrantes não europeus, especialmente, surgiram nas últimas duas décadas, na Europa, como o novo campo da “acção social”, da actividade humanitária e da investigação científica. Financiamentos consideráveis são, por isso, anualmente destinados a programas para estas “populações alvo”: para investigar e melhorar a sua saúde física e mental, pesquisar a sua vida religiosa, as “disfunções” das suas famílias, a sua sexualidade, o sucesso e insucesso escolar dos mais novos, o saneamento das suas casas, a protecção das suas crianças… Todas as formas de intervenção nas vidas e na moralidade destes “novos outros” são legitimadas em nome da ajuda, do seu bem-estar, saúde e segurança.

Quanto às ciências sociais, não deixa de ser inquietante a forma como, na maioria dos casos, têm assumido acriticamente o seu novo papel em relação às finalidades (agenda) sociais e políticas — ciências sociais e “filantropia” parecem estar num processo de simbiose, se não de identificação. Poucos questionaram até agora este desejo de ajudar e de salvar, bem como as evidentes implicações políticas destas acções humanitárias, sendo a sobreposição entre protecção e disciplina uma das dinâmicas fundamentais da intervenção social, como Foucault já tinha salientado.

Em Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the Rescue Industry, Laura María Agustín analisa este aparato de ajuda reservado aos migrantes, questionando a abordagem, as motivações e a eficácia das intervenções e das políticas, no caso específico das mulheres migrantes trabalhadoras do sexo. O interesse da autora pelo sector “social” deriva da sua experiência profissional, já que trabalhou inicialmente em vários projectos de educação para adultos (inclusive de trabalhadoras e trabalhadores do sexo) na América Latina e nas Caraíbas. Esta experiência despertou-lhe o interesse pela lógica dos financiadores e dos operadores, pelo que passou um ano em várias capitais europeias, falando com operadores de várias ONGs e com migrantes, e começou, depois, um trabalho de campo em Madrid sobre a relação entre projectos de ajuda e migrantes trabalhadores do sexo.

O livro em questão focaliza-se na “intersection of two groups of people: those who migrate to Europe and engage in domestic, caring and sexual labour, and those working in the social sector with these migrants” (p. 4) e está dividido em duas partes. Na primeira (capítulos 1 a 4) abordam-se questões teóricas e históricas e na segunda (capítulos 5 a 7) apresentam-se a metodologia do trabalho de campo sobre as formas de intervenção e as práticas operativas da indústria da ajuda conduzidas em Espanha, bem como alguns estudos de casos emblemáticos.

Em termos teóricos, o procedimento de Agustín corresponde à desconstrução de algumas das distinções que são feitas na área da mobilidade transnacional, bem como das definições e distinções entre as actividades laborais no sector dos serviços e da prostituição. Na sua crítica dos programas que visam ajudar os migrantes não europeus, nomeadamente os que trabalham na indústria do sexo, é evidente a influência de Foucault e da literatura pós-colonial. A posição da autora é, aliás, clara e lapidar desde o início: “This book argues that social helpers consistently deny the agency of large number of working-class migrants, in a range of theoretical and practical moves whose object is management and control: the exercise of governmentality” (p. 8). Ou seja, considera que “those declaring themselves to be helpers actively reproduce the marginalisation they condemn” (6).

Depois de ter salientado, no capítulo 1, os objectivos e as teses fundamentais do livro, questiona, no capítulo 2, a distinção rígida entre a mobilidade dos migrantes para fins laborais e outras formas de mobilidade (lazer, estudo, asilo político, comércio), pondo em causa a definição comum do “migrante” como ser passivo que age devido às circunstâncias e é forçado à deslocação. No caso dos migrantes trabalhadores do sexo, esta imagem preconceituosa é expressa de forma emblemática no debate contemporâneo sobre o tráfico de seres humanos, que criminaliza uma estratégia específica de migração e vitimiza uma categoria de trabalhadores migrantes. De facto, a sobreposição frequente entre o discurso do “tráfico” e o fenómeno da migração para trabalhar na indústria do sexo tem produzido enorme confusão, alimentando uma imagem da mulher migrante trabalhadora do sexo como, necessariamente, vítima passiva que é preciso salvar e ignorando as suas motivações e “agencialidade”: “the field of migration studies is guilty of ignoring women who sell sex and consigning them to the miserable field of ‘victims of trafficking’” (p. 47).

O capítulo 3 aborda a questão do trabalho dito informal das mulheres migrantes na Europa na área dos serviços (trabalho doméstico, assistência e trabalho sexual). Lamentando a falta de atenção e reivindicando-a para as mulheres que trabalham neste último sector, Agustín questiona a possibilidade de traçar distinções precisas entre estes sectores, apontando para o discurso europeu clássico sobre prostituição como uma das causas de estigmatização e da identificação da venda de sexo como um “problema social” mais do que como uma estratégia económica. O silenciamento das vozes das mulheres que trabalham neste sector leva à reprodução acrítica do preconceito moral contra a “prostituta” e não tem em conta a multiplicidade de experiências, estratégias, situações e condições de trabalho. Da mesma forma, a procura de serviços sexuais é estigmatizada neste discurso moral, que culpabiliza os homens e vitimiza as mulheres sem investigar as motivações que lhes estão subjacentes.

No capítulo 4 propõe-se uma análise genealógica do “sector da ajuda”, ou, como o define Agustín, do “social”. A autora percorre brevemente a história das percepções da prostituição, mostrando como a definição e a construção da “venda do sexo” enquanto “problema social”, bem como a nova definição da “prostituta” como vítima, têm a sua origem nas estratégias de autonomização das mulheres da classe média europeia no século XIX que, impossibilitadas de trabalhar fora de casa pelas rígidas regras de respeitabilidade, e enquanto emblemas da moralidade da família monogâmica e nuclear, encontraram no “trabalho social” uma forma de actividade que lhes garantia alguma autonomia e independência sem pôr em risco a sua respeitabilidade moral. Na origem da pretensão da recém-nascida burguesia de moralizar as classes trabalhadoras encontra-se, portanto, uma estratégia feminina de autonomização e a criação de um sector de emprego concebido ad hoc para a moralidade das mulheres do século XIX.

Sobre a origem da mudança da representação da prostituta e do nascimento do sector do “social”, destaca-se também neste livro a transformação das formas de governo europeias, desde a soberania dos governantes até ao que Michel Foucault definiu como “governamentalidade” — as artes do governo que incluem um amplo leque de técnicas de controlo, desde o controlo de si até à gestão biopolítica das populações. De facto, na intervenção social para com os trabalhadores do sexo, a sobreposição entre protecção/salvação e correcção/punição é absolutamente evidente, quer no passado, quer hoje em dia. A missão de “salvar e ajudar” as “prostitutas”, que as mulheres do século XIX se atribuíram, era uma forma de “colonialismo moral” que visava impor standards de vida e de moralidade às classes “pobres”, auto-assumindo-se como referências morais e avocando, numa verdadeira “ideologia doméstica”, a ideia da família monogâmica como centro e base da sociedade: “during the rise of the social, the burgeoisie believed it had a duty to civilise the working class” (p. 104).

Este discurso, que cruza uma definição estigmatizante da “vítima” com mecanismos de controlo e correcção social, é a base da maioria dos programas europeus actuais destinados a “ajudar” os migrantes trabalhadores do sexo. É isso que a autora pretende demonstrar na segunda parte do livro. No capítulo 5 fornece elementos metodológicos da investigação etnográfica conduzida pela autora em Madrid e no capítulo seguinte oferece uma série de pequenos case studies de interacção entre operadores sociais, investigadores e trabalhadores do sexo na cena espanhola. A autora apresenta uma série de situações (a distribuição de preservativos na rua a trabalhadores do sexo, o confronto com operadores em mesas-redondas e conferências, a atitude de uma casa-abrigo gerida por freiras, campanhas contra o tráfico e a SIDA…) que mostram, na prática, o funcionamento das ideias preconcebidas e o elemento autoritário e moralizador implícito nestas formas de ajuda, salientando que “social programming reifies and reproduces the classic ‘prostitution’ discourse” (p. 186). Mesmo no contexto do “social” e da ajuda, Agustín comenta, em conclusão, que “the power to define problems, terms and solutions rests with social agents, who debate how to get others to behave differently, even save them from themselves — the disadvantaged, unruly, victimised, unhappy, offensive, addicted […] My critique far from implying that there are no injustices or troubles to be solved, points to the constructed character of ‘social problems’” (p. 194).

Sex at the Margins é um livro voluntariamente escrito de forma a ser acessível a todos os tipos de leitores, mas a que não faltam originalidade e análise teórica, nem referências bibliográficas completas e exaustivas. É especialmente indicado para quem está envolvido no trabalho social com migrantes e, muito em particular, com migrantes trabalhadores do sexo e para quem se propõe lidar com a questão do tráfico de seres humanos.

Lorenzo Bordonaro
CRIA, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
Lisboa, Portugal

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